Para ser escritor é preciso ser inquieto





Entrevista com João Anzanello Carrascoza
Texto: Ana Holanda (trechos)
Revista “Vida Simples”, junho 2017

Como a escrita aconteceu na sua vida?

Ela apareceu pela leitura. Primeiro pela leitura do mundo, depois pela oralidade, ao ouvir as histórias contadas. Em seguida, quando aprendi a ler, vieram os livros. Sendo leitor, à medida que lia e ouvia, queria também pôr algo a mais naquelas histórias. E contar para o outro é contar com aquilo que você tem dentro. Então você já conta diferente. Me encantava fazer isso. Eu não sabia, mas já estava escrevendo.

A escrita passa por um filtro individual?

Sim. Várias pessoas podem ler o mesmo fato, sentir de maneiras diversas e relatar de modos diferentes. Cada um tem a sua maneira de sentir, pode ser mais ou menos afetado por aquele fato. Isso tem a ver com a sensibilidade diante das coisas. À medida que você lê o mundo, o está escrevendo.

De onde brota a inspiração para construir uma história?

Da vida. O mundo em que você vive te impacta, te afeta de diversas maneiras. Existe a sua jornada pessoal, que vai mudando, assim como seus textos. Alguns temas persistem porque são da obsessão do artista, do ser que escreve aquilo, dos embates da vida.

O texto nasce?

Isso é uma das coisas mais bonitas. Ele é gerado e nasce. Mas você precisa dar espaço para que ele nasça. Precisa de entrega.

Muita gente tem medo dessa entrega. Você já sentiu isso?

Se você escreve, está se expondo, porque escrever é também enfrentar as zonas obscuras do seu ser. Você tem que acessar a sua área de sombra, puxar tudo que está lá no fundo. E você não conhece tudo o que tem no fundo. Tem gente que diz que escrever é soltar seus diabos; outros, que é se purificar deles. Para mim, quando você enfrenta temas muito fortes e pesados é como abrir uma porta e não saber o que haverá do outro lado. E um escritor não pode ter medo de enfrentar isso. A literatura é a invocação da dor. Ela não é mais a dor, porque nunca vai ter a mesma potência que a dor sentida. Evocá-la é uma forma de superá-la e partilhar com o outro a sua condição humana.

As pessoas podem mesmo se encontrar e se reconhecer na escrita?

Sim, eu acredito. A literatura é uma espécie de rede de afetos, formada pelas famílias literárias. Se você lê um autor e ele te toca é porque você entra em comunhão com aquele tipo de literatura. Você está filiado àquele jeito de sentir. É como se você fosse daquela árvore. Isso é uma rede de afetos ou uma família literária da qual fazem parte escritores e leitores.

O que torna um apaixonado pela escrita um escritor?

Para ser um escritor é preciso ser inquieto. Você necessita trabalhar com a palavra, com algum elemento do universo do sensível para conseguir seguir. O cotidiano é tão bruto que ele precisa encontrar nesse outro mundo uma forma de união. Se relacionar tem que estar na sua raiz. Só assim ele consegue seguir vivendo.




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