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Mostrando postagens de 2015

Viagem ao Sul de Mim

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                                 Luci Afonso Na sexta-feira à tarde, após longa viagem de ônibus, com diversas paradas, embarques e desembarques, chego a Três Corações, pequena cidade no Sul de Minas. Venho cumprir a promessa de visitar tia Maria Afonsina, que não vejo há quarenta anos. Estou exausta e, ao mesmo tempo, emocionada em rever a irmã do meu falecido pai. A família me espera no portão. A voz delicada eu já conhecia. Agora estou frente a frente com a figura miúda de olhos claros e cabelos brancos. O tempo passou para todos nós. Choro muito em nosso reencontro. Ela tem o olho seco, conforme me explica mais tarde: chora por dentro, sofre mais. — Temos uma surpresa — ela diz, conduzindo-me à suíte que ocuparei nos dias seguintes. Sobre a antiga cômoda há uma rosa e uma fotografia em preto e branco. O ano é 1959. O cenário é um famoso restaurante da época. Há várias pessoas na mesa, mas me concentro no jovem casal à direita. Ele veste terno escuro e ela,

Primeira Antologia Bilíngue Brasil-Holanda

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Posse na Academia Samambaiense de Letras

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                                                    Samambaia, DF - 24 de abril de 2015

Escritora Amiga do Clube Literário de Andrelândia

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  Recebi, com muita alegria, o Certificado de Escritora Amiga do Clube Literário de Andrelândia (CLAN). Pequenos gestos como este fazem toda a diferença.                      

Profissão Escritora

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Luci Afonso Estou preenchendo o formulário de check-in no Rio Othon Palace. — Algum problema, senhora? — pergunta o recepcionista, ao notar o meu olhar perdido nas ondas do outro lado da avenida. — Não, tudo bem — disfarço, o sorriso cansado. Volto a atenção ao questionário. Falta responder ao item “ Profissão”, que tem sido causa de angústia desde que me aposentei. Funcionária pública? Fui por trinta anos, não sou mais. Taquígrafa? Ninguém sabe o que é. Analista Legislativo? Idem.   Aposentada? Não é profissão, é estado de graça. Revisora? Cansei-me de consultar gramáticas e dicionários para corrigir erros alheios. Bastam os meus. Estudante? Soa ridículo na minha idade. Digitadora? Secretária? Tradutora? Professora? Começo a tremer, minha visão se turva, mas tomo coragem ao responder: escritora . Serei castigada pela minha audácia? Pela minha pretensão? E scritor tem um quê de sagrado, uma aura de mistério, um toque de glamour. É um ser não identificad

Feira do Desapego Brasília 2015

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  A Feira faz parte do movimento “Gratificaria”, a Feira da Gratidão, que nasceu na Argentina e que tem acontecido em cada vez mais cidades ao redor do mundo, inclusive BH, Montes Claros, Ubá, Rio, Volta Redonda. Nessa feira as pessoas levam o que quiserem ou nada, e pegam o que quiserem ou nada. Cada um doa aquilo que tem em abundância para quem vai fazer bom uso. Não há noção de reciprocidade, cada um dá por dar sem esperar nada em troca, ou apenas recebe, sem “ter” que dar nada. É um espaço para questionar a ideia de escassez, e refletir sobre quanto é o suficiente, liberando-se do que é excesso. O QUE DAR (OU PEGAR) COISAS que eu não uso mais e que podem ter melhor destino nas mãos do outro: roupas, sa patos, Cds, brinquedos, livros, acessórios, coisas de casa, mudas de plantas... TALENTOS, o que eu sei fazer muito bem e quero compartilhar: música, dança, expressões artísticas e culturais, massagens, terapias, abraços, cafunés, quitutes e outras coisas gostosas...

Quase tudo

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Tarlei Martins   “Um livro aberto tem o exato desenho de duas asas. E quando se abrem as asas de um livro, quem voa somos nós. A bordo de um livro, sinto-me como se estivesse sendo guiado por um tapete mágico bordado de palavras do começo ao fim.” “Preciso dessa saída diária de mim para voltar com mais força ao meu eixo. Sem esse espraiar-se sedento por várias geografias humanas, eu dificilmente me reconheceria no que tenho de nítido e preciso. Para me encontrar por inteiro, preciso sair de mim. E, para sair de mim, nada melhor que o tapete mágico das palavras.” “Frase do Eduardo Giannetti que está no livro A ilusão da alma : ‘Fixado o centro, tudo o mais se ordena’. Sinto que tenho um centro. O meu centro é a leitura. É a leitura que alarga enormemente a minha circunferência existencial. A leitura é um passaporte precioso que permite a mais fantástica das viagens – que é a viagem de si a si mesmo.” “Escrever será sempre um ofício de artesãos pacientes. Não há pressa

Basófoba, eu?

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Luci Afonso Ele se senta ao meu lado na cama. A careca reluz em contraste à roupa preta. As olheiras profundas realçam os olhos escuros. A boca é pálida, quase transparente. — Quem é o senhor? — pergunto. — Sou o encarregado do seu caso no Departamento de Tombos e Quedas. Vim fazer o relatório diário. — Mas fiz o pedido há quatro meses... — O número de funcionários caiu muito — logo percebo sua pretensão a humorista. Ele pega a prancheta: — Sempre é tempo, não é mesmo? Vejamos... Hoje é 31 de outubro... Dia das Bruxas. Alguma ocorrência? — Levei um tombo hoje de manhã. — Tombo ou queda? — Qual a diferença? — Tombo é barulhento, espalhafatoso; queda é silenciosa, quase imperceptível. — É tombo mesmo. — Foi grave? — Não, apenas ralei joelhos e cotovelos. — Nível 1: escoriações leves localizadas. — É, mas tem um detalhe. — Qual? — Eu caí na faixa privativa dos ônibus e quase fui atropelada. — Então, nível 5: provável risco de vida. A senhora tev

Pequena Grande Mãe

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Luci Afonso O nome “Isolda” tem origem incerta. Na versão grega, significa “a que protege”. É também o nome de uma princesa no poema épico “Tristão e Isolda”, inspirado numa lenda celta. Nome forte, antigo, impõe respeito, igualzinho à dona. Nos meus dois últimos anos na Câmara, trabalhei ao lado de Isolda no Cefor – Centro de Treinamento. Foi preciso coragem. Quando nervosa, ela é um perigo! Dava bronca em mim, no marido, na empregada, no marceneiro, na moça do telemarketing, em quem cruzasse o seu caminho. Mas a braveza passava logo, e o sorriso se abria. Trabalhava sem parar e não gostava de ver ninguém desocupado. Era extremamente objetiva, rigorosa, exigente, eficiente, superprodutiva. Enquanto eu fazia um texto, ela fazia quatro, e começava imediatamente a próxima tarefa. Quem a conhece sabe que ela faz mil coisas ao mesmo tempo – escreve poesia, declama, canta no coral, faz teatro, coordena grupos de dança circular, dá oficinas aos terceirizados da Câmara, ensi