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Mostrando postagens de 2009

O estranho ofício de escrever

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Fernando Sabino Éramos três condenados à crônica diária: Rubem no Diário de Notícias , Paulo no Diário Carioca e eu no O Jornal . Não raro um caso ou uma ideia, surgidos na mesa do bar, servia de tema para mais de um de nós. Às vezes para os três. Quando caiu um edifício no bairro Peixoto, por exemplo, três crônicas foram por coincidência publicadas no dia seguinte, intituladas respectivamente: “Mas não cai?”, “Vai cair” e “Caiu”. Até que um dia, numa hora de aperto, Rubem perdeu a cerimônia: — Será que você teria uma crônica pequenininha para me emprestar? Procurei nos meus guardados e encontrei uma que talvez servisse: sobre um menino que me pediu um cruzeiro para tomar uma sopa, foi seguido por mim até uma miserável casa de pasto da Lapa: a sopa existia mesmo, e por aquele preço. Chamava-se “O preço da sopa”. Rubem deu uma melhorada na história, trocou “casa de pasto” por “restaurante”, elevou o preço para cinco cruzeiros, pôs o título mais simples de “A sopa”. Tempos mais tarde ch

O massacre dos quirópteros

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Luci Afonso — Mãe, olha o passarinho preto! — Quieto, meu amor, já vai começar! O auditório estava lotado. O diretor dava as boas-vindas ao público e anunciava o primeiro item do programa. O menino só conseguia prestar atenção no bicho esquisito que surgira de repente do teto. Parecia um passarinho, mas tinha cara feia e asas sem penas. Apareceram mais dois e começaram a sobrevoar o palco. — Mãe, olha! – Desta vez, ela enxergou as pequenas criaturas, mas não conseguiu identificá-las. — Fique quietinho, meu bem, é parte do cenário, - mentiu. Estava concentrada no recital. À medida que transcorria a apresentação, outros saíram do telhado e passaram a voar também sobre a platéia. O salão estava muito quente e as portas, fechadas. Algumas pessoas notaram a estranha movimentação, até que um sussurro percorreu o recinto: — Morcegos! A partir daí, o público passou a observar os mamíferos voadores. Seu número parecia aumentar a cada salva de palmas. Um casal na última fileira tentou, discretam

As marcas do clichê

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Frases e expressões sedimentadas podem facilitar a comunicação, mas não contribuem para a renovação do idioma. Braulio Tavares Nos cursos de jornalismo, professores mandam a turma redigir um trabalho qualquer e depois vão anotando os clichês que aparecem: "Ferragens retorcidas... os bravos soldados do fogo... tórrido romance... corpo escultural... posição privilegiada...". São clichês, lugares-comuns, junções de substantivos e adjetivos que um dia, quando foram usadas pela primeiríssima vez, provocaram no leitor um agradável susto-de-novidade. Hoje, após milhões de repetições, são indício de preguiça mental. Os clichês são invisíveis e onipresentes e só damos pela sua existência quando estamos à sua procura. Basta escrevermos pensando apenas no assunto, e não na linguagem, para que eles desabrochem. Não os vemos porque eles fazem parte da paisagem, como os semáforos e os orelhões. São expressões prontas, "prêt-à-porter", que nos dispensam de pensar. Exemplo Por exem

O lugar do lugar-comum

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Em O Pai dos Burros, o jornalista e escritor Humberto Werneck reúne frases feitas que um dia já foram "novidade" Edgard Murano Tão involuntário quanto o uso de uma expressão clichê foi o nascimento de O Pai dos Burros (Arquipélago Editorial), coletânea feita por Humberto Werneck (do excelente O Santo Sujo , Cosac Naify, 2008). A obra surgiu da preocupação do jornalista com expressões que, de tão usadas, perdem a força, como "beleza efêmera", "mistura explosiva" e "sonora vaia". Cliché é termo de origem francesa para a chapa metálica usada na impressão gráfica. Na literatura, é o estereótipo, o chavão. A ideia de produzir sua própria coletânea do gênero é dos anos 70, quando Werneck partilhava, no Jornal da Tarde , dos preceitos do "jornalismo literário", que evitava a todo custo expressões batidas. — Por volta de 1972, comecei a anotar lugares-comuns, além de provérbios e expressões idiomáticas muito chapadas. Virou brincadeira, da qua

Sobre cavalos mansos e unicórnios

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Rubem Alves (...) Então você está confusa com os seus sentimentos. Ele apareceu tão de repente na sua vida, com aquele brilho manso no olhar, com aquela meiguice na voz, sem pedir coisa alguma, meio como um Pequeno Príncipe caído de um asteróide. Aí você me veio com a terrível pergunta, querendo diagnóstico. Você queria saber se você estava sofrendo da doença proibida — você, uma mulher de meia-idade, que foi sempre irrepreensível em pensamentos e ações. Aquela doença que põe tudo de cabeça para baixo e começa a querer começar a vida de novo, com outra pessoa, mesmo que já seja tarde demais e tudo aconteça só na imaginação. É muito fácil responder: “A presença dele traz alegria?”. Isso é tudo o que importa. Se trouxer só prazer, é fogo de palha. Prazer é coisa do corpo, só acontece quando o corpo do outro está lá. Alegria é coisa da alma, acontece só de lembrar. Você sofre, é claro, porque isso lhe parece infidelidade. Você continua a gostar do seu marido. Há bonitos sentimentos de ami

Comentário sobre "Velhota, eu?"

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De: Roberto Campos da Rocha Miranda Enviada em: terça-feira, 3 de novembro de 2009 08:23 Para: Luci Afonso de Oliveira Assunto: Adorei o "Velhota eu?" Cara Luci, Adorei seu livro e vejo que temos a veia cômica em comum. "O massacre dos quirópteros" é fantástico! Grande abraço, Roberto Roberto Miranda é autor do livro de crônicas e contos “Dança das horas”, Editora Thesaurus, 1995.

A última crônica

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Fernando Sabino A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos ac

Ouse

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Lou Andreas-Salomé Ouse, ouse… o use tudo! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar a sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida dar-lhe-á poucos presentes. Se quer uma vida, aprenda … a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!

Escrever é...

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O escrever, assim como o pintar ou o trabalhar numa atividade qualquer, pode virar uma segunda natureza. O escritor verdadeiro é aquele que converte todas as sensações e pensamentos em linguagem. O mundo lhe vem filtrado através das palavras. Affonso Romano de Sant’Anna Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Clarice Lispector Sou mesmo forçado a escrever? Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Rainer Maria Rilke Por que escrevo? Simplesmente porque é da minha natureza. Só consigo mesmo é fazer brotar palavra, história e ideia. Ana Maria Machado Se você tem um dom, a coisa mais agradecida que pode fazer em relação a ele é aceitar, cuidar disso como um operário. Adélia Prado Escrever é difícil, sim, aquele duro corpo a corpo com a palavra, mas assim que entro no imaginário, na fantasia me sinto bem

Clickr & Flickr

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O que seria da palavra sem a imagem? Como explicar esta sem aquela? Em Clickr & Flickr (à direita da página), artistas multitalentosos — designers, ilustradores, pintores, fotógrafos —enriquecem as palavras com criações ousadas, polêmicas, líricas e sempre instigantes. Alguns estarão envolvidos com a nova safra de belos projetos recentemente aprovados pelo Fundo da Arte e da Cultura. Outros, como Felipe Cavalcante e Eudaldo Sobrinho ( flickr ainda não encontrado), são autores do projeto do Guardião da Manhã, que encantou pela delicadeza com que refletiu as crônicas do livro. Muitos jovens, uns maduros, todos promissores. Desfrutemos da sua sensibilidade. (Imagem: Detalhe da instalação "O Sonhador de Moradas", de Lelo.)

Twitter ou não twitter?

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“Os tais 140 caracteres refletem a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.” José Saramago (Revista Língua Portuguesa nº 48, outubro de 2009)

Quinta Crônica Especial

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Em comemoração ao Dia do Professor , o Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados tem o prazer de convidar para a 7ª edição do projeto Quinta Crônica , no dia 15 de outubro, às 16 horas, no Auditório do Cefor. Esta edição, especialmente dedicada aos educadores, trará crônicas de Rubem Alves, canções de Noel Rosa e terá a presença da cronista Alexandra Rodrigues e do poeta Elicio Pontes. O mineiro Rubem Alves , um dos intelectuais mais conhecidos do Brasil, é teólogo, filósofo e psicanalista. Escreve crônicas, estórias infantis e livros sobre Filosofia da Educação. Segundo ele, “ educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer ”. Alexandra Rodrigues, nascida em Lisboa, Portugal, e Elicio Pontes, natural do Ceará, dedicam-se à formação de professores na Faculdade de Educação da UnB e têm obras publicadas. Noel Rosa, o Poeta de Vila Isabel, r

O lobo da literatura

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(Trecho de entrevista com o escritor português António Lobo Antunes, por Terciane Alves.) O senhor diz que escrever é difícil, trabalhoso. Como é, na prática, essa dificuldade? Escrevo sempre à mão. Fiz assim com todos os meus livros e seguirei fazendo assim nos próximos. É um ir e vir constante. Dois terços das palavras que você escreve são inúteis. (O escritor argentino Julio) Cortázar costumava dizer: "Esses adjetivos são umas putas". Há palavras que surgiram para ser simplesmente cortadas, advérbios de modo, adjetivos. Se você escreve dez horas, duas você passa realmente escrevendo. As outras, cortando. O que deve entusiasmar num livro? O leitor sentir as emoções por meio de suas palavras. Não vou deixar que o livro me vença. É preciso criar o máximo que se possa. Encher os livros de silêncio. Sobre a arte da leitura O leitor é quem está escrevendo o livro. Ler é um ato criativo. E há poucas pessoas que sabem ler. Ler não é um ato passivo como quando a gente vê novela. O

Procura-se

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Luci Afonso Não aprendi a miar, só a gemer. Fui abandonada no matagal e perseguida por seres gigantes (aprendi que eram pessoas), que mataram meus irmãos. Meu pelo branco se sujou de lama e minha barriga doeu pelo lixo que comi. Uma noite, enquanto dormia, puseram-me numa caixa e levaram-me para um lugar cheio de bichos como eu (fiquei sabendo que éramos gatos). Ganhei água e ração. Fui arranhada e mordida e, para me defender, mordi e arranhei. Colocaram-nos numa gaiola, e fomos para um lugar grande e barulhento (uma pétishóp, disseram). Pessoas entravam e saíam, carregando um de nós. Todos foram levados, menos eu. Ouvi coisas como “feinha”, “selvagem”, “doente”. Depois de algum tempo, alguém perguntou: — Só sobrou ela? — Só, mas ela é muito boazinha. Fiz barulho para chamar atenção. Queria muito sair dali. — Ela não mia? — Não, mas a senhora pode ensiná-la. Feinha, selvagem, doente e sem saber miar? Quem iria me querer? — Vou ficar com ela. Mudei-me para um apartamento grande e confor

Mantra

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Luci Afonso SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA SAT PATIM DEHI PARAMESHVARA... Instruções: Repetir 108 vezes ininterruptas, por 40 dias. Se esquecer um dia, recomeçar a contagem. Propósito: Encontrar um parceiro. Tradução: “ Abençoe-me com um divino marido ”. Resultado: Comecei hoje, mas estou confiante.

Guidons e garupas

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Luci Afonso As pernas doíam, o fôlego acabava, o suor escorria enquanto eu levava Neusa ladeira acima, na velha bicicleta. Fazíamos o trajeto todo dia até a pracinha onde brincávamos. Ida e volta, eu no guidom, ela na garupa. Conhecíamo-nos há meses. No aniversário da menina, a mãe deu uma grande festa. Coloquei o vestido novo, peguei o presente e esperei no portão, até o último minuto, o convite que não veio. Fui dormir imaginando o que eu fizera de errado para não merecê-lo. Cresci pensando que grosserias, esquecimentos e agressões eram, de alguma forma, minha culpa. Engoli tantos sapos, e tão gordos, que logo precisei de ajuda para expeli-los. O Dr. Martelo, assim conhecido pelos contundentes e eficazes métodos de trabalho, ensinou-me ( pow !) a regra de ouro para identificar os falsos amigos — um mais zero dá um; zero mais zero dá zero; um menos um, também. Quando um mais um são dois, dois mais dois são quatro e assim por diante, não há dúvida: são verdadeiros. Sapos regurgitados,

A era do miniconto

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Dos contos tradicionais aos concursos de textos em uma linha, histórias enxutas brincam com a imaginação do leitor Braulio Tavares Que tamanho deve ter um conto? Os critérios editoriais definem a extensão de um texto pelo número de caracteres ou palavras. O mercado literário norte-americano, mais industrializado e preciso do que o nosso, define quatro faixas de extensão: conto, até 7.500 palavras; noveleta, de 7.500 a 17.500; novela, de 17.500 a 40 mil; romance, de 40 mil em diante. Edgar Allan Poe definiu o conto, de maneira pragmática e intuitiva, como " narrativa curta, cuja leitura atenta requer de meia hora a uma ou duas horas ". Tinha em vista o que ele chamava de unidade de efeito. O conto deveria ser curto para não ser interrompido. Ser uma experiência mental única, contínua, do começo até o fim, para que não se diluíssem as tensões, e o desfecho tivesse toda a carga emocional preparada pelo autor. Curiosamente, a duração que ele preconizava para o conto é a que tem u

Estive em Lisboa e lembrei de você

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Acaba de sair, publicado pela Cia das Letras, o novo livro de Luiz Ruffato, Estive em Lisboa e lembrei de você . Em mais um volume da coleção Amores Expressos , um dos mais bem-sucedidos autores brasileiros contemporâneos revela sua mão segura e inventiva ao narrar a história de Serginho, mineiro (de Cataguases) desiludido com o casamento e a falta de emprego que decide se aventurar em Portugal, em busca de redenção financeira e, quiçá, amorosa.

Dom de menina

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Com entrada franca, Quinta Crônica mistura as histórias de Gracia Cantanhede com as canções de Caetano Veloso. O gosto da escrita nasceu no tempo de menina, lá no interior de Minas Gerais. A escritora Gracia Cantanhede lembra o dia em que descreveu uma viagem de navio completamente criada na sua imaginação. Tinha 9 anos quando a redação foi lida e elogiada em sala de aula pela professora. Naquele momento, ela decidiu que não se separaria mais das palavras. Jura cumprida. Hoje, em casa, essa mineira-brasiliense tem uma pilha de cadernos com frases feitas em caneta de tinta. Alguns se transformaram nos livros Palavra de mulher e Jogo de persona. “Mesmo na era do computador, continuo criando a próprio punho porque assim acredito que escrevo com o coração”, confessa. Na quinta-feira, dia 17 de setembro, às 19h30, no Auditório do Cefor (Centro de Formação da Câmara dos Deputados, Setor de Garagens Ministeriais Norte, Via N3, atrás dos anexos dos ministérios), Gracia Cantanhede ficará diante

Coletânea Poética do Guará

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Menino Pai

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Luci Afonso Menino, chegou a hora. Nasça devagar, não tenha pressa. Brinque de carrinho, jogue bola. Namore as duas irmãs, case com a mais bonita. Daqui a vinte anos serei sua filha. Você me levará a todo lugar. Vai me mostrar aos amigos, tirar fotos, me encher de presentes. Vai me ensinar a nadar, sentirá orgulho no recital de piano e no balé. Quando eu fizer dez anos, me deixará pela primeira vez. Perguntarei, aflita, aonde vai, e ouvirei apenas: — Para longe, querida. Aos quinze, desejarei a nova separação. Terei pesadelos de que você voltou e está no bar da esquina. Você não conhecerá meus homens, todos parecidos com você. Não levará seu neto para tomar sorvete. Não nos falaremos mais. Ao telefone, não conseguirei dizer o quanto sinto sua falta, apenas ouvirei sua respiração ansiosa. Receberemos a notícia num domingo bonito demais para se partir. Pai, até chegar a hora, celebrarei sozinha, com uma lágrima de cristal, o dia em que você nasceu. (Imagem: "Materna", pastel a

Querida, Meu Bem

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Luci Afonso Arrasto-me pela casa com roupão branco e chinelos atoalhados, esperando que ela vá embora. Na infância éramos inseparáveis. Depois, afastamo-nos um pouco, mas ela insiste em aparecer de surpresa e em se demorar: — Vim o mais rápido que pude, Querida. Meu Bem é sozinha: não tem família, nem amizades, nem bichos de estimação, nem plantas. Quando chega, espalha-se pelos cômodos, revira o quarto, desliga o computador e esconde os óculos para que eu não leia, não escreva, não faça nada além de cuidar dela. O telefone emudece, as persianas se fecham, as violetas murcham. Os gatos param de brincar. Durmo o dia inteiro para que passe mais rápido, mas ela se deita comigo e quer brincar como antes: — Lembra? Ainda não consegui dizer que já estou esquecendo, que agora... — Lembra? - ela insiste. — Sim - eu minto, fingindo uma lágrima para deixá-la contente. Ela também chora e diz, já em sonho: — Que bom! No dia seguinte, ela se vai sem despedida. Guardo os chinelos, ponho o roupão par

Prefácio ao Guardião da Manhã

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Nestor Kirjner A artista ousa! Cercada de literatos, respeitada por seu talento, ela poderia qualificar sua obra recorrendo a um nome de peso da literatura brasiliense. Mas Luci Afonso acredita em seus signos, e o convite para este Prefácio chega surpreendentemente ao Velho Menestrel, com a constatação de que há música, e muita música, nas crônicas com que Luci enfeita nosso cotidiano. Não escolher um escritor consagrado, mas um poeta musical desconhecido! A ousadia de Luci me faz personagem de uma confissão. Ela confessa que seus poemas são temas musicais que, como diria Paulinho da Viola, só não têm melodia, pra não perder o valor. E a leitura das crônicas confirma essa suspeita! A música da vida permeia as palavras da escritora, a poesia caracteriza a prosa cotidiana, Luci compõe musicalmente belos textos e, convidando-me ao prefácio, me faz parceiro de sua arte! Infelizmente, não sei “cantar” suas deliciosas crônicas plenas de leveza, e permaneço estático, apenas um humilde e ávido

A vida é um grande Biscoitão

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Luci Afonso From: Eudaldo Sobrinho < eslsobrinho@gmail.com > To: Luci Afonso de Oliveira < luci.afonso@terra.com.br > Quinta 23/04 09h57 Luci, O orçamento é um pouco acima do montante de que dispomos, ainda assim eles ofereceram o projeto mais completo. Considero essa edição muito luxuosa em vários sentidos: o papel e a tinta são os melhores possíveis. Na capa, a impressão é dos dois lados. O livro ficaria realmente um chuchuzinho. Segunda 27/04 09h42 O Edson fez o melhor que pôde pra baixar o preço. Fiquei triste de não conseguir cópias adicionais. Agora temos que correr pra fazer a prova e imprimir! Me mande os textos que você quer incluir. Acho que cabem umas duas crônicas não muito grandes. Quinta 30/04 01h48 Em anexo segue o pdf. Mil perdões por não ter enviado mais cedo. Hoje o dia foi uma montanha russa que eu não queria ter vivido. Gostaria de saber se é possível ter mais uma crônica, mas ela só pode ter 2 páginas. “Umas” não é possível, e 3 é inviável. Se você tiv

Comentário sobre O Guardião da Manhã

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Isolda Marinho Como um refresco doce num momento de amargura; um sorvete de pinha no calor do verão; uma massagem relaxante após um dia cansado; um abraço de aconchego na horinha da tristeza; uma xícara de chã de hortelã com bolo de amêndoa no vazio da tarde; uma fonte de esperança quando tudo já parece esvaído. Esta é sensação que sinto quando leio um texto da Luci. A cada crônica, um lampejo de ânimo para termos a certeza de que vale a pena ser. Isolda Marinho é autora dos livros de poesia "Sementes de Amora" e "Viço do Verso".

Os olhos do tempo, de Elicio Pontes

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Os Olhos do Tempo é o segundo livro do poeta Elicio Pontes e será lançado na próxima segunda-feira, 17 de agosto, às 19h30, no Martinica Café, na 303 Norte. Classificação: imperdível . Elicio Pontes nasceu em Nova Russa, Ceará. Em Crateús, para onde se mudou aos cinco anos, escutava cantadores e poetas populares na feira da cidade. À noite, lia romances de cordel para ouvintes não leitores; ganhava aplausos (e, às vezes, algumas moedas). Aos 13 anos foi para Fortaleza, onde mais tarde tornou-se jornalista e radialista. Formou-se em Pedagogia pela UFC. É mestre em Educação pela USC, de Los Angeles, EUA, e doutor pela Uned de Madri, Espanha. É professor da Universidade de Brasilia. Publicou, em 2001, Corpos Terrestres, Corpos Celestes (Poesia).

Felis cattus domesticus L., SRD

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Luci Afonso Gatos são amaldiçoados, desde que um deles serviu urina a Jesus. Têm pacto com o Demônio e com feiticeiras. São dissimulados, interesseiros e preguiçosos. Quando não gostam de uma pessoa, atacam-na diretamente na jugular, sem chance de defesa. Não se apegam a ninguém, não fazem carinho nem gostam de ser tocados. Eu acreditava firmemente nessas ideias e chegara a afirmar, em diversas ocasiões, que odiava gatos, que eles me davam medo e agonia. Por isso, fui apreensiva à feirinha de doação de animais, na manhã de sábado, procurar um gatinho para meu filho, disposta a enfrentar meus temores para que ele tivesse a companhia de um bicho de estimação. Ainda estávamos traumatizados por várias tentativas fracassadas de criar cachorros e sabíamos que pássaros, tartarugas e peixes não interagem com o dono. Avistei imediatamente o filhote de pelo claro e listrado, no meio de outros que miavam nervosos e assustados com os barulhos da feira. Ele nascera há dois meses em apartamento, por

Comentário sobre O Guardião da Manhã

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"De: Luiz Ruffato Data: terça-feira, 4 de agosto de 2009 09:00 Para: Luci Afonso Assunto: olá Olá, Luci, fiquei muito feliz em reencontrar você. No aeroporto, li O Guardião da Manhã, de uma só vez... Além da edição lindíssima (invejável pelo bom gosto e pela elegância), os textos são primorosos. Alguns, como Parabéns pra você, Promessa, Escambo de natal, extrapolam o gênero e se querem contos - e são muito bons. Outros, como Dente mole e sua continuação É meu, ou Moreno, alto e forte, são mostras do melhor da crônica. Parabéns, Luci. Grande abraço deste lr" Luiz Ruffato nasceu em Cataguases (MG) em 1961. Recebeu importantes prêmios literários nacionais. Seu mais recente livro é Vista Parcial da Noite, terceiro volume da série Inferno Provisório, publicada pela Editora Record.

4º Desafio dos Escritores

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Está lançado o 4º Desafio dos Escritores (Conto) do Núcleo de Literatura do Espaço Cultural Zumbi dos Palmares, da Câmara dos Deputados. Já estão na página do Núcleo as regras, a ficha de inscrição e o cronograma. Certamente,como nas edições anteriores, o Desafio revelará grandes talentos. Seja um deles! Início: 27 de agosto . Inscreva-se já: http://literaturadecamara.sites.uol.com.br/

Assim no Céu como na Terra

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Luci Afonso — Nome? — Clodoaldo José Paulino, às suas ordens. — Idade? — Oitenta e um. Oitenta e dois no mês que vem, se Deus quiser. —Apelido? — Pernambuco. — Nasceu em Pernambuco? — Não, no Rio Grande do Norte. — Motivo que o trouxe? — O coração estufou, o peito ficou pequeno. — Causa natural, então. Deixou bens? — Filhos, netos, amigos e clientes. — Profissão? — Lavador de carros. — Que tarefa gostaria de realizar aqui? — A mesma. Por dentro e por fora, no capricho. — Não usamos carros. O senhor sabe fazer mais alguma coisa? — Eu sei alegrar as pessoas que acordam desanimadas. — Essa atividade não consta em nossa lista. É nova? — Não, é velha como eu. — Como era feita? — Eu só cumprimentava, desejava bom serviço e dava minha benção. — O senhor tinha permissão para abençoar? — Precisava? — Um momento, por favor. Apresente-se amanhã bem cedo, no portão principal. — Se não for pedir muito, seu moço, posso ter crachá? — Veremos se é possível. Próximo! No dia seguinte: — Bom dia, doutor!

Comentário sobre O Guardião da Manhã

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Cristina Leme 21/07/09 "Querida Luci, Adorei seu filho mais novo, seu "benjamim". Você merece muitos maços de gerbras ! Agrada-me muito seu aguçado senso de humor, presente nas crônicas que abordam os tratamentos ditos alternativos (para o corpo e para a alma): você se submete a eles sem abdicar do senso crítico. No dia em que vc veio me trazer o livro, esqueci de comentar sobre o grande destaque que o Correio Braziliense deu no dia do lançamento, com matéria de página inteira, fotos, revelando quem é o guardião da manhã. Achei ótimo! Ah! você é a Ci, LuCi? Abração, Cristina " Cristina Leme é Assessora Parlamentar e personagem da crônica “Equinócio”.

Estamos de férias!

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Voltaremos em agosto...

Sarau dos Estados Unidos

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07/07/2009 Sarau EUA faz homenagem a Michael Jackson. O Sarau "Estados Unidos", organizado pelo Espaço Cultural da Câmara com o apoio do Sindilegis, foi a atração da noite desta segunda-feira. Assista: http://www.sindilegis.org.br/site/tvLegis/tvLegis.asp

32º Sarau da Câmara dos Deputados

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Sarau dos Estados Unidos Depois do sucesso e da grande repercussão obtidos pelo sarau "Uma noite na Índia", o Núcleo de Literatura do Espaço Cultural da Câmara dos Deputados presta homenagem aos Estados Unidos. O sarau será realizado no próximo dia 6, segunda-feira, às 20 horas, na Casa Thomas Jefferson (L3 - 606 Norte). No cardápio musical, Frank Sinatra, Tony Bennett, musicais da Broadway e uma homenagem especial ao criador da música pop, Michael Jackson. As músicas serão interpretadas pelo Jazz Quinteto e pelo Dinner Show. Serão lidos poemas de Walt Whitman, Edgar Allan Poe, Robert Frost, William Carlos Williams, T. S. Eliot, Ezra Pound, Elizabeth Bishop, Sylvia Plath, Emily Dickinson, Hart Crane e Cole Porter. Para encerrar, delicioso coquetel temático. RESERVE SEU CONVITE Envie e-mail para literaturadecamara@uol.com.br informando o número de convites que deseja. Em seguida, receberá uma confirmação da sua reserva e o aviso para que retire os convites no dia do sarau

Muito além do gênero

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Em entrevista exclusiva, Luis Fernando Verissimo fala sobre seu novo romance policial, "Os Espiões" Luiz Costa Pereira Junior Luis Fernando Verissimo criou como quem não queria nada uma marca de estilo difícil de imitar: a de tratar cada texto, o mais insignificante bilhete, a crônica mais apressadamente escrita ou o livro mais ambicioso, como peça única a conjugar elegância, criatividade e bom humor. É combinação notável em quem se fez conhecido, no trato direto, pela timidez e conversa em monossílabos. Fato é que a timidez não o isola do mundo, nem sua crônica padece de contágio do laconismo. Aos 72 anos, com mais de 50 obras, Verissimo une o afiado humor ao refinado senso de observação da vida e da fala brasileiras, manifestos tanto na crônica e no romance como nos quadrinhos e roteiros de TV. Acha, sem ironia, que a ironia não pega no Brasil. Ao menos por escrito. Para escrever com ironia, diz ele, é preciso ser lido ironicamente. O brasileiro, tão sagaz ao falar, levari