Roupa de época




Luci Afonso


Aproveito a manhã de sábado para alugar a fantasia do sarau. Na Rua das Noivas há uma loja especializada, a Luxo no Lixo, no subsolo do Bloco “A”. Ao descer as escadas, vejo, atrás do balcão, uma máscara de leão assustadora. É a dona da loja, com o rosto inchado após uma cirurgia plástica.

— Não repare, fiz esta semana - ela se desculpa.
— Quase não dá para ver - tento disfarçar. — A senhora tem uma roupa do século XIX?
— Século XIX? Não lembro como era. Você trouxe uma foto?
— É do tempo de Machado de Assis.
— Ah, aquele da minissérie com a Vera Fischer?
— Não, é outro, mas a roupa é parecida. De época.
— De época? Por que você não disse logo?

Ela me conduz a um cubículo entupido de fantasias.
— Esta é uma réplica da minissérie - ela diz, acariciando um lindo vestido vermelho com renda. — Pena que não te sirva. Vou procurar alguma coisa maior.
— Pode ser só a blusa. Tenho a saia em casa.
— 50 ou 52?
— 48.

Ela se enfia entre os cabides e me dá algumas blusas. Estou quase conseguindo abotoar a primeira quando chega outro cliente.
— Não repare, fiz esta semana - ela novamente se desculpa.
— Tudo bem - diz uma voz conhecida. — A senhora tem uma cartola de cetim preto, com forro, 61 cm de diâmetro e 22 de altura?

Meu amigo Klotz e eu falamos do sarau enquanto provamos os acessórios.

— Não repare... - ouvimos pela terceira vez.
— Estimo as melhoras - deseja Alexandra, antes de embarcar em nossa viagem ao passado: — A senhora tem uma tiara de melindrosa, pois não?

Finalmente acho uma blusa que me sirva. Para combinar, uma tiara na mesma cor, luvas brancas de renda e um leque espanhol. Meus companheiros igualmente têm sucesso na busca.

Escolhidos os objetos, é hora de preencher o detalhado contrato de locação. Parece que estamos alugando um imóvel. Além de pagar à vista, temos de deixar um cheque-caução de três vezes o valor do aluguel.

Klotz se revolta:
— Isto é ilegal!
— Desculpem, é que já tive muito prejuízo, até de um Procurador da República...
— Nunca mais piso aqui. - Declara ele, indignado, segurando a cartola.

Acalmados os ânimos, os três viajantes do tempo se despedem, ansiosos pelo breve reencontro no século XIX.

Comentários

  1. Põe cara assustadora de leão nisso!

    Piorou, na hora de cobrar, ao se mostrar mais faminta que o colega do imposto de renda.

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  2. Querida Luci!
    Achei fantástica a sua crônica "Roupa de Época". Me encanta a forma tão lúdica, mas ao mesmo tempo séria, que você aborda os acontecimentos do di-a-dia. Fiquei querendo mais no final.
    Abraços,
    Chica Picanço

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